top of page
  • Zião Dionísio

5 perguntas para Cris Oliveira sobre Livros e Línguas




Oi :) aqui é o Zião, de Colatina (ES), e essa é a segunda edição de “5 Perguntas?” pra revista Neomarginal ^.^


Hoje quem responde é a Cris Oliveira, de São Paulo, que é poeta, tradutora e bibliotecária :) Autora do livro “Escova de Dentes” pulbicado pela editora Paraquedas em maio de 2023. Boa leitura!


1. Em 2023 você lançou o seu primeiro livro de poesia, como foi a escrita e a edição da obra?


Muito legal estar aqui com tuas perguntas. Tudo não passou de um encantamento que virou um livro. Houve um momento da minha vida que eu escrevia poesia todo dia, num deslumbre mesmo. Eu tinha 43 anos. Tem um poema daquela época que fala assim:


            Escribo todos los días


Escribo tonterías

Puedo hacer rimar

Huevo con nuevo

Queso con hueso

Hambre con fiambre

Quesadilla con tortilla

Bailarín con tallarín

Que es una pasta

Y eso me basta


-      Cris Oliveira


A paixão da descoberta e a descoberta da minha maior paixão. Fui fazer curso e li muita poesia na época. Dali surgiu o Escova de dentes, um livro de poesia experimental, como me disseram, já que não há necessariamente um fio condutor temático, ou melhor, o fio é a própria poesia e o fazer poesia, o poder dela.

No Escova, eu experimento com línguas, rimas, sons e linguagem. Organizei o material durante meses, o livro teve diversas formas, quase sempre gostava do que ia se construindo, e achei que poderia virar uma obra. O título veio por último, assim como muitos dos títulos dos próprios poemas.

Quando quis publicar, enviei para algumas editoras que trabalham com poesia e para uma chamada. Fiquei entre as cinco finalistas. A edição foi um processo bem tranquilo com a editora (toda minha admiração para quem edita poesia), ela fez algumas perguntas com delicadeza e com olhar experiente, e mudamos poucos versos.

O poeta sabe o que quer, Gilberto Gil tem razão: deixemos a lata absoluta do poeta.


2. Como foi o início, o meio e a conclusão desse momento de deslumbre criativo, em que você escreveu todos os dias?


Adorei essa pergunta. Fico tentando entender os processos criativos do nosso inconsciente, e não tenho uma resposta.

Morando no exterior, sempre quis estar o mais perto possível da minha língua materna, talvez nessa tentativa de não perder minha identidade aonde quer que eu fosse. Nas férias, visitava o Brasil e levava livros e CDs na mala, isso antes de existir ebooks e streamings.

Mesmo assim, ficava a necessidade de me expressar na minha língua, nos nossos ritmos, e foi assim que comecei a fazer poesia, realmente. Sempre a partir de observações e reflexões feitas durante minhas perambulações e vivências. O meu deslumbre foi descobrir esse poder da escrita em mim, acho que todos sentem isso.

A poesia tira beleza até de onde não tem, é uma forma de meditação. A gente se transporta pro momento, ali, concentrados na busca e na descoberta da palavra exata, ou cismados com rimas que se criam.

A poesia é isso, uma cisma e uma teimosia do possível e do impossível, né?

Outra coisa é esse lugar de desconforto e conforto que ela é. Os últimos anos não foram fáceis para ninguém e a poesia foi feita pra provocar e confortar.

Quanto à conclusão desse deslumbre, mudou somente a periodicidade, escrevo menos (crio igual) desde que meu livro foi publicado -- acho que ando um pouco perdida, sem saber onde colocar a poesia.


3. Além de escrever, você também traduz. Como é pra você o processo de tradução, e como ele afeta o processo da escrita?


Em casa sempre estivemos expostos a outros idiomas, ouvíamos muita música em espanhol, italiano e inglês. Meu irmão era professor de inglês no CCAA e lá fomos eu e minha irmã aproveitar o curso com desconto. Assim, com uns 12 anos eu traduzia letras de música que ouvíamos na rádio.

Minhas amigas do colégio pediam para eu traduzir e mandavam frases nos bilhetes pros crushes (anos 90, galera!). Eu acho que foi aí que comecei a ser tradutora, mas as versões que fazia eram mais literais, sem olhar pra métrica ou rima, era mais para tentar transmitir a essência e o conteúdo daquelas canções de rock ou pop.

Na minha criação, eu sempre escrevi poesia usando outros idiomas, numa tentativa de aproveitar a sonoridade de palavras e seus possíveis significados. Às vezes dá certo e pra mim se tiver um twist que pode provocar algum sentido, já valeu.

Mas uma outra coisa é a tradução literária, ou seja, traduzir outros autores de ficção (prosa) e poesia, que aprendi no curso de tradução. É mesmo um desafio, pois idealmente a tradução vai trazer o mesmo conteúdo, vocabulário, a sintaxe vai mudar dependendo do idiomas, há adaptação em alguns casos, mas o cuidado especial é manter o registro do autor e as nuances do texto original.

Assim, traduzir é entrar no universo de uma outra escrita que não é a sua própria: é fascinante, uma grande responsabilidade e desafio, além de ser um aprendizado.


4. Que interessante! Morando no Brasil você começou a traduzir versos de uma língua estrangeira, e quando foi morar no exterior você escreveu versos próprios em português. ^.^ Como foram e como andam as suas leituras de poetas brasileiras e internacionais?


“A poesia é metida, não fala coisa com coisa, anda nas entrelinhas. Deixa a gente tonta.”, “Ler poesia é difícil.”, “A poesia é melosa.”, “Eu não tenho tempo a perder, só leio livros de não-ficção.”, “Usou a página inteira do livro só com essas três linhas.” são frases que já ouvi por aí.

A gente cresce, entra na máquina e a poesia é arrancada da gente; a distração-deslumbre não cabe na vida adulta, é improdutivo. Não há planilha excel, nem cronograma, prazo, resultados, onde ela caiba.

Enquanto que a poesia é a coisa mais natural que existe, crianças fazem haicais quando estão aprendendo a falar, já viu?

Eu acho que a gente passa a vida tentando voltar àquela forma de sentir e de se expressar, àquele lugar da infância onde éramos tão plenos. Buscar esse lugar, poder chegar perto dele é o que traz ler/sentir poesia. Ler poesia é transformador pra quem está preso e oprimido no cotidiano.

Eu leio muito e tudo que posso, e quando posso ler poesia no idioma original, prefiro. Depois que estudei tradução, leio traduções, para aprender. Também leio muita poesia de colegas no instagram e em zines, e às vezes conheço a pessoa só pelo arroba 🙂.

Para citar alguns que sempre me inspiram e dos quais é possível encontrar pedaços no meu livro de estreia “Escova de Dentes”: Adília Lopes (leio e releio, sou fã e stalker dela, longa história), Marília Garcia (meu primeiro contato com poesia narrativa, alucinei), Felipe Moreno , William Feitosa Junior, Alice Ruiz (mestra), Paulo Leminski, Arnaldo Antunes, Ana Frango Elétrico, Gertrude Stein e Yoko Ono.


5. Felicidade receber uma resposta bonita e inspiradora assim, muito obrigad@ Cris. Um dos meus lugares favoritos é a biblioteca (gosto quase tanto quanto das margens dos rios) e brinco sério de dizer que a biblioteca é "o templo dos livros". E você é também bibliotecária. Como é essa aventura dentro e fora das bibliotecas físicas e virtuais?


Eu que agradeço pela sensibilidade das tuas perguntas. Que lindo o que você disse. A biblioteca é um templo pra nós também.

Estamos carentes de biblioteca nesse país, a situação é precária, as leituras curtas superficiais em smartphone, nossos rios poluídos, nossas bibliotecas despencando.

Serei romântica, nostálgica, a tal guardiã (que mais do que guardiã deveria ser a distribuidora) de tesouros e segredos da humanidade anda abandonada, a biblioteca em seu espaço físico e também virtual.

Eu trabalhei mais de 20 anos em biblioteca especializada em saúde pública, na OMS, e sempre faltava recurso, apoio, incentivo. Ali lidávamos com muita busca de artigos científicos, na área de medicina e saúde pública então a coleção eletrônica de revistas, através de assinatura e consórcios, era imensa (ainda é).

A OMS também publica - e muito - e na minha gestão definimos e implementamos, com os escritórios regionais e de país, o repositório institucional, que é a biblioteca digital multilíngue de publicações da OMS.

Sempre tive muito orgulho em dizer e repito, é o maior e mais acessado repositório de agências da ONU.

Mas dentro de mim, todo esse tempo e desde que era estudante de biblio, resta o sonho de conciliar tudo que sei e trabalhar com literatura e leitura em biblioteca pública no Brasil.

Agora que estou aqui, vou atrás disso. 🙂




Zião Dionísio é poeta, editor, dançarino e outras coisas. Mora no interior do estado do Espírito Santo, numa cidade com 123 mil habitantes, 1 cinema e 1 livraria. Edita as próprias zines desde 2016, e edita outr@s autores(as) e revistas desde 2020. Elas podem ser lidas em tropicalversos.com e entreeditora.com



contribua com o movimento neomarginal pela chave pix: 47087c26-1553-4748-a9e1-a4af19e4da73

留言


bottom of page