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  • Zião Dionísio

5 perguntas para Vitor Miranda sobre Artes e Margens




Saudações! Aqui quem tecla é Zião Dionísio, de Colatina (ES). :)


Essa é a primeira edição de “5 perguntas?” pra revista Neomarginal, e como convidado de estreia temos o escritor Vitor Miranda.


Desde seu primeiro livro, “Num mar de solidão”, o Vitor vêm publicando suas obras (que já são 6 no total) com um intervalo máximo de dois anos entre uma e outra (2014, 2016, 2018, 2019, 2021 e 2023).


Além do movimento pelos livros, o artista se move pelo espaço físico e virtual, ouvindo e falando, ensinando e aprendendo, sendo inspirado e inspirando outr@s, se conectando pelas margens variadas.


Boa leitura! :)




1. Iririu mister Vitor! Valeu por topar participar do primeiro "5 peguntas?" pra revista Neomarginal. :) Pra você, o que é (e como é) ser um(a) artista marginal no século XXI?


penso que o artista marginal acaba sendo aqueles que estão fora da tendência, que escrevem o que querem e não o que o mercado da mono temática impõe.


que vão caminhando fora das formas usuais dos cursos de escrita que vão moldando características textuais, no meu caso que sou poeta escritor, mas podemos falar de outras expressões artísticas também, enfim.


também há outra forma de ser margem que é a geográfica, ser artista nos âmagos dos brasis é das tarefas mais solitárias, então tanto no século XXI como em outros sempre vão colocar aqueles que desafiam de alguma forma o status quo da classe para a classificação à margem.


mas nós somos adeptos da ironia e por isso Neomarginais.



2. Como as tecnologias do tempo que vivemos tem afetado a sua criação e a sua movimentação pelas margens?


sou um autor de minha época. não tenho problemas com a tecnologia. não sei se elas me afetam. elas simplesmente fazem parte do meu mundo assim como o fogo ou a roda foi a tecnologia de alguém.


a minha questão com a tecnologia é mais macro no sentido de que a possibilidade dela passa pela decomposição do mundo. impossível termos tecnologia sem destruir o planeta. e isso afeta existencialmente a minha pretensão da imortalidade artística.


sabendo disso, hoje escrevo apenas para comprar chocolates na tabacaria. por isso muitas vezes não faz sentido escrever, já que tudo irá acabar e não sobrará ninguém para ler e nem para vender chocolates.


mas acenarei adeus aos Esteves que aqui estiveram. “Tabacaria” é o melhor poema da língua portuguesa junto com “Poema sujo”. e isso pra mim é a mais pura tecnologia da palavra.



3. Quais potências você vê nas margens, que não estão presentes ou tão fortes fora delas?


eu vejo uma imensa carga de sentimentos, uma angústia que rasga a carne, um impulso ao berro delirante que faz artistas lutarem por existir contra tudo que nos impede de ser.


vejo uma liberdade em admitir a própria hipocrisia e se fazer humano e não um ser divino. vejo antidepressivos e drogas e autodestruição, mas também vejo a amizade, o amor e o tesão. vejo o desprezo da “classe artística” e também a sua admiração.


vejo seres incanceláveis, pois já nasceram cancelados. vejo obras primas da arte brasileira. e como vejo!


realizadas por essas pessoas que ainda tem o que dizer com tamanha convicção de que dormirão intranquilas e leves um eterno pesadelo de rejeitar ser aquilo que não são.



4. E nesse cenário, com essas visões, como é estar em um Movimento Neomarginal e editar a revista Neomarginal?


isso nasce dentro de mim como um sentimento de não pertencimento e viajando por cidades do interior fui encontrando artistas que fazem coisas lindas em um não pertencimento mais profundo do que o meu. esse movimento físico de se deslocar e encontrar e admirar e se identificar é a semente da ideia.


a tecnologia nos proporcionou encontros virtuais e a apreciação da arte de pessoas em diversos lugares. e aquelas pessoas que se encontram na metrópole virtual paulistânica que sentem o mesmo que eu e têm em suas experiências e referências mestras e mestres generosos que um dia nos deram a mão e nos ensinaram a essência da poesia.


o Movimento Neomarginal é isso. um entretenimento para nos manter vivos e pertencentes. e a Revista Neomarginal é mais um objetivo dessa ideia de mostrar nossos trabalhos e os trabalhos de artistas como nós que estão por aí.



5. Agradeço demais pela entrevista, pelo tempo e carinho nas respostas :)

Pra concluir, por favor, divide com quem está lendo alguns de seus versos sobre as margens, e dá um recado final falando o que quiser?


vou compartilhar um poema que simboliza minhas andanças e algumas dos sentimentos que falei aqui na entrevista e também o que desejo deixar como recado final. o poema título do livro “A gente não quer voltar pra casa”


A gente não queria voltar pra casa


abri o portão

o cachorro fugiu

joguei tudo pelos ares

corri atrás dele

que virou a esquina


o cachorro virou lebre

eu virei cachorro


enquanto os ciganos

apostavam na lebre

ou no cachorro

eu virei Alice

e nós viramos tudo

que queríamos ser


assim correndo pela noite

fomos sendo qualquer coisa

pois assim como Waly Salomão

temos fome de ser tudo que não somos


assim sendo

corremos por todos os mundos

que nunca correríamos


de repente já somos dois

qualquer coisa

correndo lado a lado


de repente um casal de namorados

de mãos dadas caminhando

por uma folha amassada

que o escritor arrancou da máquina

e jogou no chão

que agora era lida pela empregada

que foi obrigada pela vida

a recolher sonhos frustrados

de outras pessoas

que amassam papéis


corremos pela folha

deixando histórias

corremos pelo quarto

corremos pela vida da empregada

levando ela pela sala


fizemos uma salada

de amor


agora éramos três

e eu já nem sabia

quem era Alice

quem era eu

quem era o cão

já nem sabia

quem era a empregada

quem era cigano

quem era patrão


estávamos numa festa

junto com os ciganos

nós três éramos dez

dançando num abraço apertado

onde o gato era a lebre

e a lebre era o gato

e eu já era empregada do mês


corri dali atrás

do gato lebre

que correu

outra vez


dessa vez

fomos mais longe

pois a lebre

era mais rápida

que o cachorro

o gato subia muro

e eu


eu descia do escuro

para o claro

lembrei-me

que era raro

alterar o percurso da vida

nas idas e vindas

do trabalho pra casa

só fui desviar de rota

quando o cachorro fugiu


aquilo que eu chamava de vida

já nem sabia se assim

se chamava


descobri então

que não me amava


e então

continuei a correr

sabendo que jamais

alcançaria o cachorro


pois a gente não queria voltar pra casa





 ~                    ~                     ~                     ~




Zião Dionísio é poeta, editor, dançarino e outras coisas. Mora no interior do estado do Espírito Santo, numa cidade com 123 mil habitantes, 1 cinema e 1 livraria. Edita as próprias zines desde 2016, e edita outr@s autores(as) e revistas desde 2020. Elas podem ser lidas em tropicalversos.com e entreeditora.com



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