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  • Foto do escritorVitor Miranda

Amizades e Utopia




fui convidado a atuar num curta de universidade. sem grana, mas vai servir pra portfólio, disse Molina, o rapaz que me contatou.

 

- gostei muito do seu trabalho.

- onde me achou?

- no facebook.

 

era meu primeiro trabalho como ator. fui escolhido por fotos. Molina gostava de meninos.

 

na data marcada saí do trampo e fui até a casa do diretor. uma quitinete na Rua Paim. Molina estava me esperando lá embaixo. seu rosto estava todo descascado e avermelhado.

 

- oi lindão.

- desculpe perguntar, mas o que é isso no seu rosto?

 

subimos e lá em cima encontramos um pessoal.

 

- o que aconteceu com seu rosto, Molina? – perguntaram.

- foi um procedimento que fiz.

- não deu certo?

- vai melhorar. no começo é assim mesmo. bom, esse é o Vitor que falei pra vocês.

- e aí, Vitor, beleza? – cumprimentou-me o diretor, um rapaz gaúcho chamado Leonel.

 

cumprimentei a todos. o rapaz do som, a maquiadora e o foto still que não estavam no curso. completando o grupo universitário, Lucas, que assinava o figurino.

senti alguns olhares curiosos em minha direção. filmamos as cenas noturnas onde meu personagem recebia a visita de um vizinho interpretado por um rapaz chamado Dinho Marciano. o jeito mais hiperativo dele e o meu um pouco mais introvertido fez sentido ao que o diretor queria. Leonel já era experiente e sabia o que queria. pediu que repetíssemos as cenas algumas vezes e também fizemos alguns detalhes. matamos todas as internas noturnas, mas já era próximo das cinco da manhã. a essa altura já estava trocando ideias como bons amigos daquelas pessoas como se estivesse no próprio curta-metragem escrito por Leonel: Amizades e Utopia. inspirado em sua chegada a São Paulo e onde foi morar: Rua Paim. a rua do treme treme ao lado da Augusta. uma loucura para nossa juventude.

na hora de ir embora agradeci a todos me despedindo e dizendo que ia direto para o trabalho.

 

- vixi, vai virado?

- é o jeito.

 

Molina se ofereceu pra descer comigo.

 

- não precisa, obrigado.

- ah vamos lá, faço questão.

 

achei estranho aquele. na segunda diária Leonel me perguntou se eu tinha caso com Molina.

 

- magina. eu sou hétero.

 

ele começou a rir.

 

- Molina disse pra gente que ia chamar um ator que ele estava pegando.

 

bom, saí da minha primeira experiência de filmagem e fui tomar café numa padoca na rua do trampo. lá esperei o horário e bati meu cartão. numa péssima coincidência do destino fui o selecionado da área pra participar da reunião sobre os novos planos de saúde. entrei na sala e vi aquela mesa oval no qual ficamos todos um de frente pro outro. não deu outra: dormi.

 

mais algumas diárias e já tinha criado alguma intimidade com o pessoal. marcaram a penúltima para um sábado. cheguei ao prédio da Paim para filmar e o porteiro abriu. pediu pra esperar lá embaixo, pois Leonel não estava.

logo depois chegou Saulo, um rapaz magrelo e bruto em sua linguística. veio do norte e ganhava a vida em São Paulo. estava fazendo foto still.

 

- vocês se conhecem da onde?

- então, eu, Leo e Nicolas trabalhamos numa igreja.

- como assim?

- então, eles filmam a igreja. Leonel é cinegrafista e o Nicolas trabalha no som. eu faço as fotos.

- é mesmo? e é legal?

- é não. e você?

- sou auxiliar de cadastro numa seguradora de saúde.

- credo.

 

logo chegaram o restante das pessoas e por último Leonel que tinha ido a um festival de música.

 

- desculpe o atraso, aê. não podia perder esse show.

- tudo certo.

- tá todo mundo aí?

- tá faltando o Nicolas.

- então, ele estava aqui em casa comigo. chapamos ontem e ele dormiu aí. daí entrei no banho e o louco vasou.

- que doido.

- sim. bom, deve estar voltando por aí.

 

subimos e fomos montando as coisas. me vesti, fiz a maquiagem e deitei na cama onde seria a cena. a galera conversava sobre o atraso do tal Nicolas. resolveram montar o equipamento de som, que era da universidade.

 

- bom, o cara não atende. vamos rodar e o Lucas faz o som, pode ser?

- pode.

 

nessas eu já estava quase dormindo na cama.

 

- bah ô meu! cadê minha câmera?!

 

quando abriu a bag pra pegar a câmera, Leonel se deu conta que ela não estava mais lá. uma Canon 5D mark II, a câmera da momento. DSLR. fotografa e filma full HD. já era! sumiu!

 

Leonel procurou no apartamento inteiro. era uma quitinete. não demorou muito a terminar a procura e não encontrar nada.

 

- galera, me desculpa, mas preciso revistar a mochila de todo mundo.

 

nada nas mochilas.

 

- a câmera não está nesse apartamento.

- e agora?

- Leo, vamos até a igreja procurar. vai que você deixou lá.

- bah ô meu, tenho certeza que eu coloquei na bag ontem antes de sair.

- cara, se você não esqueceu na igreja, o Nicolas roubou sua câmera.

- putz, não é possível. o cara é meu brother.

 

Nicolas, após ser bombardeado de ligações, responde por um torpedo dizendo que está no hospital passando mal.

 

- posso dar uma sugestão? – disse.

- diz aí.

- porque a gente não vai até a igreja conferir?

- eu não tenho a chave.

- eu tenho. – disse Saulo.

- bah, então vamos lá.

- vamos todos?

- não quero todo mundo lá. pode dar B.O. vamos fazer o seguinte. vou lá com Saulo e vocês esperam a gente aqui.

- beleza. amanhã é domingo mesmo. na última vez dormi no trabalho e quase me fodi.

- tem cerveja?

- tem.

 

logo recebemos notícias de que a câmera não estava na igreja. Lucas enviou um torpedo pro Nicolas enquadrando ele.“Nicolas, a câmera de Leonel sumiu. você saiu da casa dele sem avisar enquanto ele tomava banho e não apareceu na gravação. se você estiver com a câmera, devolve. por favor.”

 

quando Saulo e Leonel chegaram ficamos por ali ainda em dúvida das coisas quando Lucas recebeu uma resposta de Nicolas falando sobre a gargalhada imperial azul.

 

Leonel, caindo a ficha, estava incrédulo.

 

- seguinte, – sugeri – lá no bairro onde cresci a gente resolve essas pilantragens pessoalmente. o cara tá fodendo o primeiro trabalho de ator que faço na vida. alguém sabe onde ele mora?

- cara, eu não sei o endereço. mas fui uma vez. é indo por aquela avenida que vai pro Taboão.

- quebrada hein. bom, vamos lá na porta da casa dele e esperamos ele chegar do hospital.

- sério?

- claro. vamos pegar ele e fazer ele contar onde está a câmera.

- vamos lá.

- eu também – disseram Lucas e Saulo ao mesmo tempo.

 

no caminho parei num posto.

 

- é a primeira campana de minha vida. preciso de cerveja e cigarro.

- boa! eu também.

- que tal umas batatas?

 

munidos, paramos quase em frente a casa do meliante. com tudo apagado e janelas abertas pela metade começamos a beber e fumar, contar histórias. a tragédia se transformou numa aventura como num bastidor de Apocalipse Now. ficamos por ali da 1h da manhã até umas 4h sem notícias até que chegou um carro branco e parou em frente a residência. de dentro desceu um rapaz totalmente embriagado com um copo de whisky na mão. caminhou trôpego até o portão, quando reparou em quatro malucos dentro de um veículo suspeito. ficou nos encarando.

 

- bah! o loucão dono da casa.

- baita louco!

- o verme aluga um quarto na casa desse mano.

- melhor a gente explicar o que está acontecendo.

- vou lá.

 

Leonel desceu com as mãos à mostra.

 

- ô meu, tudo certo?

- quem é?

- cara, sou amigo do Nicolas. vim aqui com ele uma vez.

- qual foi, mano, fala logo?!

 

desci atrás e expliquei mais rápido.

 

- a gente tá atrás do Nicolas, pois ele roubou a câmera do nosso amigo aqui.

- eu vou matar esse filha da puta!

 

Leonel tentou acalmá-lo.

 

- então, a gente só queria conversar com ele, pois ele sumiu de casa enquanto eu tomava banho...

 

o loucão parou de nos ouvir e começou a discar um número. colou o celular no ouvido e ficou esperando. ele tinha raiva, muita raiva!- o que ele tá fazendo, Leo?

- cara, não sei.

 

o telefone tocou mais algumas vezes até que alguém atendeu do outro lado. ele falava gritando

 

- e aê, mano! tudo bem porra nenhuma! minha arma tá aí? eu vou aí pegar minha arma. segura aí. tô indo agora. aquele merda que aluga o quarto. tô de saco cheio desse cara. agora tem quatro maluco atrás dele aqui. tô indo aí.bateu a porta e saiu cantando pneu.

 

- bah! fodeu.

- e agora?

- eu só queria minha câmera de volta.

- seguinte. vamos entrar no carro e ficar lá na esquina. se o loucão chegar e meter bala a gente vasa daqui.

 

uns quinze minutos depois o loucão voltou e entrou na casa.

 

- e agora?

- a gente espera os tiros.

- bah.

 

de repente uma gritaria vinda da casa e Nicolas sai correndo e o loucão atrás dele com uma faca.

Leonel desceu e correu em direção ao Nicolas. puxei o carro mais próximo da casa e descemos. Leonel e Nicolas conversavam e o Loucão gritava de dentro da casa.

 

- resolvam logo se não resolvo eu!

 

Leonel pediu pra conversar sozinho com Nicolas. de repente explosões de fogos de artifícios. olhamos pra garagem e lá está o loucão com o rojão estourado nas mãos.

 

- resolve logo essa porra!

 

olhei pra Lucas e Saulo e disse:

 

- bom, vou resolver essa merda.

 

caminhei até os dois e Nicolas estava contando uma história sem pé nem cabeça.

 

- aê maluco, cadê a câmera?

- que câmera? eu estava no hospital.

- cadê a receita médica?

- que receita?

- a receita, porra! cadê? você não foi ao médico?

- calma, Vitor – pediu Leonel.

- a gente veio buscar a câmera. cadê a câmera?

- eu não peguei.

 

dei-lhe um murrão no peito e o infeliz caiu de costas no asfalto. nisso a vizinhança já estava ao portão assistindo. o sol já clareava o dia. o loucão de dentro do portão gritava:

 

- é pra matar ele!

 

de dentro da casa surge a namorada de Nicolas gritando:

 

- não bate nele, por favor.

 

sirene. a polícia foi acionada. caiu a casa. olhei pro meu carro todo aberto com latas de cerveja e lembrei que estava sem carta. perdi na pontuação. o loucão desapareceu. os policiais saíram da viatura.

 

- o que está acontecendo aqui?

- ele me agrediu – gritou Nicolas.

- e vou bater de novo, seu ladrãozinho de merda!

 

fui pra cima dele e me seguraram.

 

- ninguém vai bater em ninguém – disse o polícia.

 

contamos a história pros guardas que nos disseram:

 

- é o seguinte. ele roubou sua câmera, rapaz. não há dúvidas. agora, vocês precisam sair daqui se não terei que leva-los e aí será ruim pra vocês.

- beleza. pode deixar. – concordou Leonel.

 

entramos no carro e esperamos por Leonel que foi até uma praça conversar com o ladrão. daqui a pouco ele voltou:

 

- seguinte. ele quer ir até lá em casa procurar a câmera. mas não quer ir no seu carro, pois você bateu nele.

- sorte a dele.

- eu vou com ele e a namorada. vamos seguindo vocês.

- tudo bem.

 

chegando na Paim descemos no carro e Leonel, um tanto sem jeito, disse que Nicolas queria revistar meu carro.

 

- sério?

- bah meu, é sério.

- tudo bem. – virei pro Nicolas e estendi a chave – seguinte. você vai revistar o carro inteirinho, beleza?

- beleza.

- se você não achar nada dentro do carro eu vou te agredir, beleza?

 

ele, sem escolha, revirou meu carro.

 

- vê se a câmera não está onde fica o macaco.

 

ele puxou o fundo do porta-malas e encontrou o macaco.

 

- terminou?

- sim.

- encontrou a câmera?

- não.

 

dei três murros em sua face antes de sua namorada intervir. ele correu pra dentro do prédio e ela fechou o portão.

 

- cuzão!

 

Leonel pediu que eu me acalma-se.

 

- cara, obrigado por hoje.

- amizades e utopia, cara. vamos terminar esse curta.





continua...



Vitor Miranda é ator aposentado

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