fui convidado a atuar num curta de universidade. sem grana, mas vai servir pra portfólio, disse Molina, o rapaz que me contatou.
- gostei muito do seu trabalho.
- onde me achou?
- no facebook.
era meu primeiro trabalho como ator. fui escolhido por fotos. Molina gostava de meninos.
na data marcada saí do trampo e fui até a casa do diretor. uma quitinete na Rua Paim. Molina estava me esperando lá embaixo. seu rosto estava todo descascado e avermelhado.
- oi lindão.
- desculpe perguntar, mas o que é isso no seu rosto?
subimos e lá em cima encontramos um pessoal.
- o que aconteceu com seu rosto, Molina? – perguntaram.
- foi um procedimento que fiz.
- não deu certo?
- vai melhorar. no começo é assim mesmo. bom, esse é o Vitor que falei pra vocês.
- e aí, Vitor, beleza? – cumprimentou-me o diretor, um rapaz gaúcho chamado Leonel.
cumprimentei a todos. o rapaz do som, a maquiadora e o foto still que não estavam no curso. completando o grupo universitário, Lucas, que assinava o figurino.
senti alguns olhares curiosos em minha direção. filmamos as cenas noturnas onde meu personagem recebia a visita de um vizinho interpretado por um rapaz chamado Dinho Marciano. o jeito mais hiperativo dele e o meu um pouco mais introvertido fez sentido ao que o diretor queria. Leonel já era experiente e sabia o que queria. pediu que repetíssemos as cenas algumas vezes e também fizemos alguns detalhes. matamos todas as internas noturnas, mas já era próximo das cinco da manhã. a essa altura já estava trocando ideias como bons amigos daquelas pessoas como se estivesse no próprio curta-metragem escrito por Leonel: Amizades e Utopia. inspirado em sua chegada a São Paulo e onde foi morar: Rua Paim. a rua do treme treme ao lado da Augusta. uma loucura para nossa juventude.
na hora de ir embora agradeci a todos me despedindo e dizendo que ia direto para o trabalho.
- vixi, vai virado?
- é o jeito.
Molina se ofereceu pra descer comigo.
- não precisa, obrigado.
- ah vamos lá, faço questão.
achei estranho aquele. na segunda diária Leonel me perguntou se eu tinha caso com Molina.
- magina. eu sou hétero.
ele começou a rir.
- Molina disse pra gente que ia chamar um ator que ele estava pegando.
bom, saí da minha primeira experiência de filmagem e fui tomar café numa padoca na rua do trampo. lá esperei o horário e bati meu cartão. numa péssima coincidência do destino fui o selecionado da área pra participar da reunião sobre os novos planos de saúde. entrei na sala e vi aquela mesa oval no qual ficamos todos um de frente pro outro. não deu outra: dormi.
mais algumas diárias e já tinha criado alguma intimidade com o pessoal. marcaram a penúltima para um sábado. cheguei ao prédio da Paim para filmar e o porteiro abriu. pediu pra esperar lá embaixo, pois Leonel não estava.
logo depois chegou Saulo, um rapaz magrelo e bruto em sua linguística. veio do norte e ganhava a vida em São Paulo. estava fazendo foto still.
- vocês se conhecem da onde?
- então, eu, Leo e Nicolas trabalhamos numa igreja.
- como assim?
- então, eles filmam a igreja. Leonel é cinegrafista e o Nicolas trabalha no som. eu faço as fotos.
- é mesmo? e é legal?
- é não. e você?
- sou auxiliar de cadastro numa seguradora de saúde.
- credo.
logo chegaram o restante das pessoas e por último Leonel que tinha ido a um festival de música.
- desculpe o atraso, aê. não podia perder esse show.
- tudo certo.
- tá todo mundo aí?
- tá faltando o Nicolas.
- então, ele estava aqui em casa comigo. chapamos ontem e ele dormiu aí. daí entrei no banho e o louco vasou.
- que doido.
- sim. bom, deve estar voltando por aí.
subimos e fomos montando as coisas. me vesti, fiz a maquiagem e deitei na cama onde seria a cena. a galera conversava sobre o atraso do tal Nicolas. resolveram montar o equipamento de som, que era da universidade.
- bom, o cara não atende. vamos rodar e o Lucas faz o som, pode ser?
- pode.
nessas eu já estava quase dormindo na cama.
- bah ô meu! cadê minha câmera?!
quando abriu a bag pra pegar a câmera, Leonel se deu conta que ela não estava mais lá. uma Canon 5D mark II, a câmera da momento. DSLR. fotografa e filma full HD. já era! sumiu!
Leonel procurou no apartamento inteiro. era uma quitinete. não demorou muito a terminar a procura e não encontrar nada.
- galera, me desculpa, mas preciso revistar a mochila de todo mundo.
nada nas mochilas.
- a câmera não está nesse apartamento.
- e agora?
- Leo, vamos até a igreja procurar. vai que você deixou lá.
- bah ô meu, tenho certeza que eu coloquei na bag ontem antes de sair.
- cara, se você não esqueceu na igreja, o Nicolas roubou sua câmera.
- putz, não é possível. o cara é meu brother.
Nicolas, após ser bombardeado de ligações, responde por um torpedo dizendo que está no hospital passando mal.
- posso dar uma sugestão? – disse.
- diz aí.
- porque a gente não vai até a igreja conferir?
- eu não tenho a chave.
- eu tenho. – disse Saulo.
- bah, então vamos lá.
- vamos todos?
- não quero todo mundo lá. pode dar B.O. vamos fazer o seguinte. vou lá com Saulo e vocês esperam a gente aqui.
- beleza. amanhã é domingo mesmo. na última vez dormi no trabalho e quase me fodi.
- tem cerveja?
- tem.
logo recebemos notícias de que a câmera não estava na igreja. Lucas enviou um torpedo pro Nicolas enquadrando ele.“Nicolas, a câmera de Leonel sumiu. você saiu da casa dele sem avisar enquanto ele tomava banho e não apareceu na gravação. se você estiver com a câmera, devolve. por favor.”
quando Saulo e Leonel chegaram ficamos por ali ainda em dúvida das coisas quando Lucas recebeu uma resposta de Nicolas falando sobre a gargalhada imperial azul.
Leonel, caindo a ficha, estava incrédulo.
- seguinte, – sugeri – lá no bairro onde cresci a gente resolve essas pilantragens pessoalmente. o cara tá fodendo o primeiro trabalho de ator que faço na vida. alguém sabe onde ele mora?
- cara, eu não sei o endereço. mas fui uma vez. é indo por aquela avenida que vai pro Taboão.
- quebrada hein. bom, vamos lá na porta da casa dele e esperamos ele chegar do hospital.
- sério?
- claro. vamos pegar ele e fazer ele contar onde está a câmera.
- vamos lá.
- eu também – disseram Lucas e Saulo ao mesmo tempo.
no caminho parei num posto.
- é a primeira campana de minha vida. preciso de cerveja e cigarro.
- boa! eu também.
- que tal umas batatas?
munidos, paramos quase em frente a casa do meliante. com tudo apagado e janelas abertas pela metade começamos a beber e fumar, contar histórias. a tragédia se transformou numa aventura como num bastidor de Apocalipse Now. ficamos por ali da 1h da manhã até umas 4h sem notícias até que chegou um carro branco e parou em frente a residência. de dentro desceu um rapaz totalmente embriagado com um copo de whisky na mão. caminhou trôpego até o portão, quando reparou em quatro malucos dentro de um veículo suspeito. ficou nos encarando.
- bah! o loucão dono da casa.
- baita louco!
- o verme aluga um quarto na casa desse mano.
- melhor a gente explicar o que está acontecendo.
- vou lá.
Leonel desceu com as mãos à mostra.
- ô meu, tudo certo?
- quem é?
- cara, sou amigo do Nicolas. vim aqui com ele uma vez.
- qual foi, mano, fala logo?!
desci atrás e expliquei mais rápido.
- a gente tá atrás do Nicolas, pois ele roubou a câmera do nosso amigo aqui.
- eu vou matar esse filha da puta!
Leonel tentou acalmá-lo.
- então, a gente só queria conversar com ele, pois ele sumiu de casa enquanto eu tomava banho...
o loucão parou de nos ouvir e começou a discar um número. colou o celular no ouvido e ficou esperando. ele tinha raiva, muita raiva!- o que ele tá fazendo, Leo?
- cara, não sei.
o telefone tocou mais algumas vezes até que alguém atendeu do outro lado. ele falava gritando
- e aê, mano! tudo bem porra nenhuma! minha arma tá aí? eu vou aí pegar minha arma. segura aí. tô indo agora. aquele merda que aluga o quarto. tô de saco cheio desse cara. agora tem quatro maluco atrás dele aqui. tô indo aí.bateu a porta e saiu cantando pneu.
- bah! fodeu.
- e agora?
- eu só queria minha câmera de volta.
- seguinte. vamos entrar no carro e ficar lá na esquina. se o loucão chegar e meter bala a gente vasa daqui.
uns quinze minutos depois o loucão voltou e entrou na casa.
- e agora?
- a gente espera os tiros.
- bah.
de repente uma gritaria vinda da casa e Nicolas sai correndo e o loucão atrás dele com uma faca.
Leonel desceu e correu em direção ao Nicolas. puxei o carro mais próximo da casa e descemos. Leonel e Nicolas conversavam e o Loucão gritava de dentro da casa.
- resolvam logo se não resolvo eu!
Leonel pediu pra conversar sozinho com Nicolas. de repente explosões de fogos de artifícios. olhamos pra garagem e lá está o loucão com o rojão estourado nas mãos.
- resolve logo essa porra!
olhei pra Lucas e Saulo e disse:
- bom, vou resolver essa merda.
caminhei até os dois e Nicolas estava contando uma história sem pé nem cabeça.
- aê maluco, cadê a câmera?
- que câmera? eu estava no hospital.
- cadê a receita médica?
- que receita?
- a receita, porra! cadê? você não foi ao médico?
- calma, Vitor – pediu Leonel.
- a gente veio buscar a câmera. cadê a câmera?
- eu não peguei.
dei-lhe um murrão no peito e o infeliz caiu de costas no asfalto. nisso a vizinhança já estava ao portão assistindo. o sol já clareava o dia. o loucão de dentro do portão gritava:
- é pra matar ele!
de dentro da casa surge a namorada de Nicolas gritando:
- não bate nele, por favor.
sirene. a polícia foi acionada. caiu a casa. olhei pro meu carro todo aberto com latas de cerveja e lembrei que estava sem carta. perdi na pontuação. o loucão desapareceu. os policiais saíram da viatura.
- o que está acontecendo aqui?
- ele me agrediu – gritou Nicolas.
- e vou bater de novo, seu ladrãozinho de merda!
fui pra cima dele e me seguraram.
- ninguém vai bater em ninguém – disse o polícia.
contamos a história pros guardas que nos disseram:
- é o seguinte. ele roubou sua câmera, rapaz. não há dúvidas. agora, vocês precisam sair daqui se não terei que leva-los e aí será ruim pra vocês.
- beleza. pode deixar. – concordou Leonel.
entramos no carro e esperamos por Leonel que foi até uma praça conversar com o ladrão. daqui a pouco ele voltou:
- seguinte. ele quer ir até lá em casa procurar a câmera. mas não quer ir no seu carro, pois você bateu nele.
- sorte a dele.
- eu vou com ele e a namorada. vamos seguindo vocês.
- tudo bem.
chegando na Paim descemos no carro e Leonel, um tanto sem jeito, disse que Nicolas queria revistar meu carro.
- sério?
- bah meu, é sério.
- tudo bem. – virei pro Nicolas e estendi a chave – seguinte. você vai revistar o carro inteirinho, beleza?
- beleza.
- se você não achar nada dentro do carro eu vou te agredir, beleza?
ele, sem escolha, revirou meu carro.
- vê se a câmera não está onde fica o macaco.
ele puxou o fundo do porta-malas e encontrou o macaco.
- terminou?
- sim.
- encontrou a câmera?
- não.
dei três murros em sua face antes de sua namorada intervir. ele correu pra dentro do prédio e ela fechou o portão.
- cuzão!
Leonel pediu que eu me acalma-se.
- cara, obrigado por hoje.
- amizades e utopia, cara. vamos terminar esse curta.
continua...
Vitor Miranda é ator aposentado
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