fui à faculdade assistir a exibição de Amizades e Utopia. Molina levou um produtor de televisão que mirou-me dos pés à cabeça antes de me oferecer um cartão.
- o produtor gostou de você.
- deve ser um desses tarados que contratam atores pela foto.
atravessamos a rua pra comemorar no bar.
- aí Léo, tenho uma ideia.
- diz aí.- fazer uma série de documentários sobre coisas que acontecem nas ruas da cidade.
- o que, por exemplo?
- tenho a ideia do primeiro episódio. tem um camarada que pratica Le Parkour. a gente cola em vários pontos da cidade e filma ele fazendo o rolê e depois filmamos algumas falas dele.
- bah acho massa! eu topo fazer, mas com duas condições.
- diga lá.- uma é que você consiga um segurança pra acompanhar a gente nessas externas. não quero perder mais uma câmera.
- suave. minha irmã namora um figura da rota. peço uma indicação pra ele.
- beleza. outra coisa, quero ser o diretor.
- por que?- porque é meu objetivo como artista e também porque eu manjo de edição e acredito que o bom diretor precisa saber editar.
- beleza, então. eu produzo e você dirige. vamos nessa!liguei para Zico Correa, atleta de Parkour que havia conhecido no curso de atuação no Globe-SP, e ele topou fazer. meu cunhado da rota indicou um segurança que veio armado. aposentado da polícia após arremessar um meliante e seu dedão ir junto ao enroscar na blusa do agredido. costurou o dedo de volta, mas ficou enrijecido e sem movimento.
filmamos no centro de São Paulo ao lado do teatro municipal e numa praça próxima ao metrô Anhangabaú onde o policial agrediu um homem em situação de rua que, curioso, se aproximou para puxar assunto sobre o que estávamos fazendo. algo sem propósito que se seguiu numa confusão e gritarias de ambos os lados e um paralelepípedo arremessado em nossa direção. saímos dali e já no fim de tarde ao voltarmos pra casa achamos necessário uma nova diária pra colher depoimentos e fazer mais imagens.
- cara, eu topo, mas se não tiver esse segurança. não gostei daquela situação ali. pensei até em abandonar a gravação.
ouvimos Zico com atenção e olhei pro Léo que disse tudo bem. seguimos no dia seguinte para a USP onde filmamos cenas de Zico praticando o Parkour e depois fomos ao MASP onde além de algumas cenas, captamos o depoimento.o vídeo ficou lindo e fez relativo sucesso nas redes, principalmente no meio do Parkour.
resolvemos fazer mais e Léo sugeriu o Arte da Vila, evento onde artistas da Vila Madalena abriam seus ateliês para visitação e algumas vans fariam os percursos deixando as pessoas onde desejassem.
fomos, primeiro, no ateliê de Sérgio Fabris, por quem Leonel ficou sabendo do evento e já havia filmado numa outra situação. também passamos pelo ateliê da grafiteira Yara Amaral que recebia a grafiteira espanhola, Bitxo. no Beco do Aprendiz a gente fazia algumas imagens quando passaram por nós uma mulher e dois homens conversando em inglês.
- bah cara, precisamos filmar uns gringos.
- você fala inglês?
- nem um pouco, e você?
- menos.
- e agora?
- agora é que vamos aprender.
cheguei numa tentativa de inglês que pareceu espantar as três pessoas.
- você quer ajuda? – disse a moça.
- ah você é brasileira.
- sim.
Flavia Liz di Paolo é personal guide e faz passeios guiados por lugares culturais da cidade levando gringos de seletiva importância. nesse caso, entrevistamos em inglês o editor chefe da Vogue.
Yara nos contou que durante a reunião pós evento o pessoal ficou super feliz com o vídeo que fizemos, ao contrário do que eles haviam contratado que ficou uma bosta. e que no próximo ano provavelmente seríamos contratados. infelizmente, aquele foi o último ano. Flavia nos sugeriu uma pauta. filmar um dia de seu trabalho onde visitamos a galeria do Rui Amaral, um dos primeiros grafiteiros de São Paulo. também conhecemos o Crânio e seus personagens indígenas que interagem com a cidade e também aparelhos eletrônicos, e alguns anos depois foi parar na decoração da casa mais vigiada do país, o BBB. artistas também querem ficar ricos.
o mais bonito seria a visita a Paraisópolis onde conhecemos as esculturas feitas com peças de carro e moto pelo Berbela. de lá fomos à casa do Gaudi Brasileiro, o jardineiro Estevão que fez de sua casa um labirindo brilhando. a Globo também comprou – assim espero – a arte de Estevão ao fazer a péssima novela I Love Paraisópolis.
infelizmente não finalizamos esse vídeo com edição de Leonel e só ficou pronto anos depois quando Lucas, o diretor de arte de Amizades e Utopia, estava aprendendo a editar.
se iniciava algo muito importante no país que despertou toda a atenção dos documentos urbanos.
Vitor Miranda é poeta e editor dessa revista
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