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  • Ikaro Maxx

JIM MORRISON NUNCA TEVE QUE IR À MERCEARIA: entrevista com o guarda-costas dos Doors, Tony Funches (2005 - Pt. 1)

por Kristy O'brien

tradução livre: Ikaro Maxx


(Baby Hill, Tony Funches e Jim Morrison)


Palavras do tradutor:


1. A respeito da Coluna:


A proposta principal da coluna "Psicografias" é que seja um espaço livre, rotativo e democrático para a veiculação de traduções feitas por membros (in)ativos do Movimento Neomarginal e/ou convidados.

 

Para além do velho clichê do "traduttore, traditore" nossa ideia é liberar o espaço da imaginação e da liberdade da partilha/troca para que as ideias, os retratos, os ensaios, músicas, crônicas, poemas, diálogos possam instigar os leitores e trazer-lhes insights. Ou, se assim se quiser, meramente diverti-los.

 

É evidente que talvez um ou dois contribuidores possam ser mais ativos em movimentar esse espaço, mas isso não significa que seja uma "capitania hereditária" literária ou um espaço monopolizado por determinadas vozes ou diretrizes curatoriais. É só mesmo aquela coisa de que "não existe vaccumm político"... ou, no caso, literário. Ainda mais no campo da Tradução.

 

Fica a critério do contribuídor da vez deixar notas, comentários ou caminhos a respeito de suas escolhas e da tradução apresentada (não há nenhum parâmetro ou regras rígidas aqui). Aqui vale a liberdade e o exercício constante da possibilidade criativa, muito embora a tradução seja mais um exercício de tirar alguns véus (e colocar outros, pode-se dizer) com o intuito de apresentar o texto e suas ideias e movimentos aos leitores de uma outra língua (a nossa, no caso).


2. A respeito deste Post:


Neste primeiro momento trago a vocês (de maneira inédita) uma instigante - e interessantíssima – entrevista feita com o Tony Funches, que foi guarda-costas tanto do Jim Morrison quanto dos Rolling Stones durante a agitada década de 60. O motivo: ando fazendo várias traduções de entrevistas com vários artistas, poetas e pensadores para um projeto extenso e me deparei com essa pedra preciosa durante a minha pesquisa.


Como a entrevista é longa (e foi originalmente publicada no blog da Kathy O’brien assim) iremos, para não avolumar ainda mais a leitura, manter as duas partes separadas para publicação em diferentes momentos por aqui. A partir disso, deixo patente que tenho a intenção de comentá-la, porém o farei no momento da publicação da segunda e última parte. Será, então, um comentário mais completo e não fragmentado.  

 

Dito isso, vamos lá! Divirtam-se que o banquete está bem servido!

 

 

***


Do auge da fama dos Doors até a sua última apresentação ao ar livre, na Ilha de Wight(1), Tony Funches esteve presente. Muito mais do que o guarda-costas de Jim Morrison, era também um amigo, parceiro no crime e versátil solucionador de problemas.

Tony é exatamente o tipo de pessoa que se deseja para uma posição dessas. Os seus imponentes 1,80m de altura faz-nos saber que ele não aceita qualquer merda. Mas é a sua voz de barítono Barry White surpreendentemente suave que, em contraste, transmite uma inteligência gentil e uma natureza confiável. Falar com ele durante alguns minutos é como se o conhecêssemos desde sempre e, nos muitos anos em que o conheço, ele tornou-se um grande amigo.


Tony viveu e continua a viver o tipo de estilo de vida rock and roll rústico e desordenado que as pessoas associam a Jim Morrison! Atualmente morando no Colorado, criou vários negócios, trabalhou como mecânico de aviões, ganhou uma filha e um filho e perdeu várias ex-mulheres desde que deixou o mundo da música.


Ele lembra-se da família Doors como "pessoas genuinamente boas" e recorda esse tempo com carinho e, felizmente para nós, em detalhes. Embora Tony tenha sido mencionado em várias biografias de Morrison, nunca tinha sido entrevistado antes da nossa conversa nem sequer contatado por nenhum autor.


A conversa que se segue teve lugar através de e-mails, ao longo de um ano, em 2005. O estilo de escrita distintivo e expressivo de Tony foi mantido intacto. Se gostou do que leu, fique atento à sua autobiografia, a ser lançada em breve, The Ancestor's Soundtrack.


[Uma pesquisa na internet levou-nos ao site GoFundMe no qual - anos atrás - Tony Funches fez uma campanha para arrecar fundos para o seu livro que saiu com este título acima, não o anteriormente anunciado.]



Como Tony também estava trabalhando para os Rolling Stones no final dos anos 60, perdeu o infame concerto dos Doors em Miami, bem como a sua última apresentação em New Orleans. Uma pena para Jim, pois fica-se com a impressão de que as coisas poderiam ter corrido de forma diferente se Tony estivesse lá.

 

***

 

Kristy O’brienComo foram os anos 60 para você?

Tony: Resposta rápida: 1960 – 8º ano e puberdade. 1969 – Veterano do Vietnã em turnê com os Rolling Stones. Que diferença faz uma década. Eu estava no 10º ou 11º ano no dia que JFK foi assassinado pela máfia e pela CIA. Depois do liceu, fui para a escola secundária de L.A. Trade Tech(2) para estudar arte comercial, mas isso não me interessou muito; depois fui morar na Pensilvânia para ir para a universidade de lá, mas um acidente de tráfego numa ponte gelada levou-me a alistar-me na Força Aérea. A experiência militar requer um LIVRO, então isso será suficiente.


(com os Rolling Stones)

 

Kristy O’brienComo que um acidente de tráfego o levou a se alistar na Força Aérea?

Tony: Cheque com o seu pai ou com um familiar mais velho [da] minha idade; naquela época, era prática comum os juízes recomendarem o "serviço à pátria" como alternativa ao encarceramento, quando se deparavam com jovens selvagens. MUITOS SOLDADOS da minha geração foram assim “encorajados” a se alistar por juízes sábios nos tribunais locais.

 

Kristy O’brienQuando você voltou do serviço militar no Vietnã, quão drásticas foram as mudanças na música e no clima social?

Tony: Em outubro de 1968 eu voltei para casa em L.A. e TUDO HAVIA MUDADO. Marvin Gaye fez “What’s Going On” do mesmo ponto de vista; um soldado preto voltando pra casa do estrangeiro. Quase imediatamente comecei a ser procurado para o negócio do rock and roll [que estava] em desenvolvimento e me senti confortável com isso, embora não fosse minha ambição ou vocação na época.

 

Kristy O’brienQuais eram suas ambições antes de entrar no mundo da música?

Tony: Não havia plano nenhum; matriculei-me no WLAJC para estudar ciências políticas e, assim, compreender como surgiu o desastre do Vietnã, para que eu (e outros) pudéssemos estar em guarda contra o mesmo tipo de confusão que aconteceria novamente. Dubya(3) e Iraque? Olá?

Passado isso, não tinha outras aspirações para além das acadêmicas e da sede de conhecimento. Sempre fui capaz de obter um rendimento decente, então definir uma “meta de carreira” específica não estava em mente. Política foi e ainda é minha paixão.


Kristy O’brienConseguia se identificar com a música e a política da contracultura emergente?

Tony: Os brancos de todo lugar estavam começando a se soltar, como aconteceu com a cultura do meu povo há gerações atrás, então não foi difícil assimilar uma cultura à qual eu já havia sido exposto; o jazz e a cultura Beat que o acompanha eram partes integrais da experiência negra quando eu estava no ensino médio. Inferno, entre meu círculo de amigos/colegas do HS, a estação de rádio predominante que todos ouvíamos era KBCA, 24 horas por dia FM Jazz progressivo. Então, o que todos esses brancos estavam descobrindo realmente, de repente? Uma liberdade cultural que já existia há muitas gerações anteriores.


Kristy O’brienComo você se tornou o guarda-costas do Jim Morrison?

Tony: Depois que eu saí da Força Aérea, comecei trabalhando em empregos que pagavam bem como um mecânico de equipamentos pesados. Festejei tanto que tive que penhorar o meu relógio para ter dinheiro para a gasolina para ir trabalhar. O genro do dono da loja de penhores também promovia pequenos shows de rock no ginásio do liceu e precisava de alguém que lhe protegesse as costas com uma pasta cheia de dinheiro. Comecei com ele, conheci outros como ele à medida que L.A. se tornava uma Meca do rock and roll. Bill Siddons [empresário do The Doors] era amigo dele. Passei a conviver com a banda porque eu e eles vivíamos e trabalhávamos no mesmo ramo e as coisas aconteceram a partir daí. Eu não achava que o Jim precisasse de mim, mas como todos os outros que eles tentaram não deram certo, o Bill acabou me convencendo a entrar. Fiquei até o fim. Tenho muitas saudades do cara.

 



Kristy O’brienÉ verdade que você foi contratado para manter o Jim longe de confusão e de beber demais?

Tony: Mantê-lo longe de problemas? Sim. De beber demais? Não.


Kristy O’brienO que você quer dizer com “mantê-lo longe de problemas”? Ele era muito incomodado ou ele próprio causava problemas?

Tony: (A) Sim.

Depende [de] onde ele/nós estávamos. Num ambiente Boss Jock de alto nível, onde os Howard Sterns da época diziam: "KATIE, BARRA A PORTA!", estes idiotas tentariam apertar todos os botões psicológicos que pudessem imaginar. Eles não se prepararam para um intelecto verdadeiramente superior e Jim devorava seus egos no café da manhã e mal arrotava quando terminava. Eles conseguiram o que pediram e muito mais. Geralmente ele apenas os dizimou por serem oportunistas hostis em primeiro lugar. Jim tinha a habilidade verdadeiramente incrível de ler acuradamente os motivos de uma pessoa e reagir de acordo. Houve momentos em que observei algum idiota atrevido (homem e mulher) observar, “Oh! Jim Morrison! Faça algo ESQUISITO, Jim” como em “me estremeça, seu idiota!” Ele então os “lia” e regurgitava de volta para eles aquilo que eles mais temiam sobre si mesmos e/ou sobre o mundo em que existiam. Eles o consideraram um peso leve por causa das letras, da cobertura de imprensa e tal. Eles DEVERIAM ter olhado mais de perto e testemunhado a genialidade. Eu olhei e eu não sou nenhum acadêmico de Rhodes.

 (B) Não.

Novamente, depende de onde ou o quê; eu nunca vi o cara começa QUALQUER merda com NINGUÉM. Ele não estava tão constantemente bêbado a ponto de que não pudesse se defender. Mas em termos de atividades cotidianas, ele era extremamente educado com todo mundo, de fala mansa, tímido, e incrivelmente generoso. O homem deu uma gorjeta extravagante a um serviço GROSSEIRO. Eu testemunhei isso inúmeras vezes, especialmente em uma viagem, quando ele e eu pegamos algumas garotas e dirigimos pela rota US 1 de Los Angeles a San Francisco para visitarmos o The [Jefferson] Airplane e The [Grateful] Dead. Mas isso é outra história. (Eles encontraram uma velha garçonete rude e amarga que não gostava de hippies ou negros. Quando Jim deixou uma extravagante gorjeta de US$ 50, ela saiu correndo do restaurante atrás deles, exigindo saber por quê. Jim respondeu: “Por um serviço tão bom”. Tony ainda ri quando pensa na expressão no rosto da mulher.)


Kristy O’brienVocê pensa que ele intencionalmente tentou provocar tumultos? Ele estava sempre bêbado durante os shows?

Tony: (A) Sim e (B) Não.

 

Kristy O’brienVocê era seu guarda-costas 24 horas por dia ou apenas para os shows?

Tony: Os dois. Eu estava sempre disponível sempre que ele precisasse. Ele tinha que ter tempo/privacidade para si; ele pedia para ficar sozinho às vezes. No resto do tempo eu usualmente iria encontrá-lo ou ele me ligaria e dizia ‘Vamos se trombar e fazer qualquer coisa’ Claro, sim, eu fiz todos os shows depois que acabei com a turnê de ’69 dos Stones em Altamont. TODOS OS SHOWS EM QUE TRABALHEI COM OS DOORS NÃO TEVE QUALQUER INCIDENTE. E Jim nunca foi preso por nada do tempo em que entrei a bordo o tempo inteiro. Sou muito bom no que faço.


Kristy O’brienOs outros Doors tinham guarda-costas ou precisavam deles em suas vidas pessoais?

Tony: Não.


Kristy O’brienComo você descreveria o Jim Morrison? Ele tem sido retratado de

modo preciso pela imprensa?

Tony: Cara legal! Genuinamente um cara MUITO DA HORA, LEGAL! Eu não posso te dizer quantas vezes Jimbo parava e falava, conversava, dizia a verdade a todas as pessoas que encontrava; pessoas normais da rua, [do dia a dia]. Os agentes do poder e os radialistas BABACAS irritavam-no com suas MERDAS, mas ele era o tipo mais simpático do planeta com a multidão sem rosto. Seria necessário um livro para contar essa parte. Será que ele foi retratado corretamente pelos meios de comunicação? UMA OVA!


Kristy O’brienA personalidade dele era diferente fora e dentro do palco? Você diria que a sua imagem do Rei Lagarto de calça de couro preto era artificial ou calculada?

Tony: Na verdade não, a não ser pelo ódio aos TIPOS ESTÚPIDOS E BABACAS DE AUTORIDADE. Com isso quero dizer que eu veria Jim conversando e visitando policiais comuns e eles se dariam bem. Mas quando outro policial o chateava, a merda batia no ventilador. A besteira do Rei Lagarto foi inventada por algum idiota fodido do marketing. Jim nunca realmente aderiu, mas permitiu que outros o vissem dessa forma, se [assim] desejassem. Ele ficou fascinado pela visão esotérica do que os lagartos evocam no poder e mistério primitivo da mente humana. Está tudo realmente na LETRA da música, dê uma outra olhada.

E motoqueiros tem usado couro preto por ANOS antes de Jim conseguir ter sua calça de couro. Eu AINDA uso a minha. Mais uma vez, parte daquela imagem de DEUS DO SEXO foi inventada por outros e Jim concordou porque eles tagarelavam que era bom pra banda, para a venda dos discos, etc. Ele estava cagando para toda essa merda.


Kristy O’brienNos conta um pouco sobre o estilo de vida dele? Como eram os bastidores antes e depois dos shows?

Tony: Estilo de vida... o pobre bastardo viveu como um vagabundo! Ele tinha a casa em Kings Road, mas preferiu o quarto de hotel em Alta Cienega em que ele ficava sempre. Era uma distância curta de caminhada para o escritório do The Doors na rua (8512, Blv. Santa Monica); lá embaixo, a dois passos de distância, ficava o clube de strip-tease Phone Booth (onde ele e eu tivemos muita “sorte com as mulheres”) e o Barney’s Beanery ficava a um quarteirão de distância para comidas e drinques.

Muitas vezes, os “amigos de poesia” de Jim apareciam no escritório e eles/nós passeávamos por HollyWEIRD comendo e bebendo enquanto debatiam questões importantes do dia e diferentes filosofias. Ocasionalmente o Jimbo tomava um banho... NÃO MUITO FREQUENTEMENTE.

Ele era apenas um cara normal tentando ser uma pessoa decente e sofrendo por causa de seu próprio gênio com o que o mundo e o governo tinham e se tornariam. Tudo o que aconteceu desde que ele nos deixou foram coisas que ele e eu discutimos e ele previu tudo o que viria. Ele NÃO ficou satisfeito por ter essa visão. Ele era como Ray Milland no filme “O Homem Que Podia Ver Para Sempre” (The Man Who Could See Forever”) nesse sentido.


[Em uma pesquisa aqui sobre o Ray Milland vi que o Tony citou o nome do filme errado! O nome [correto] do filme a que ele se refere é esse: X: The Man with the X-Ray Eyes (br.: O Homem dos Olhos de Raio-X / pt.: O homem com Raios-X nos olhos) é um filme de terror produzido nos Estados Unidos em 1963, dirigido por Roger Corman. Referência no Wikipedia: https://pt.wikipedia.org/wiki/X:_The_Man_with_the_X-Ray_Eyes]


Nos bastidores? Normalmente era calmo e quieto. A banda estaria pronta; Vince Treanor(4) sempre atuava junto e Leon Barnard(5), às vezes, viajava conosco e era um cara legal de se ter por perto. O resto dos caras geralmente trazia suas esposas, mas todos nós temíamos que a Pamela [Courson, namorada oficial do Jim] tentasse aparecer. Unhas no quadro negro. Quando ela estava por perto, o Jim NÃO era uma pessoa digna de qualquer estima. Ela colocou o cara contra a parede e, consequentemente, o resto de nós também. “Alta manutenção necessária” poderia ser inserida aqui.

Tínhamos sempre um serviço de bufê de primeira qualidade e quaisquer outros refrescos - sucos, fruta, bebidas - que quiséssemos. Por vezes, outros artistas de rock 'n' roll que tocavam nas mesmas cidades passavam por cá para nos visitar.

 

Kristy O’brienNão sabia que ele tinha uma casa em Kings Road. É o bangalô que ele comprou pra Pam[ela] Courson, sua namorada, em Topanga Canyon?

Tony: Não, ele escondeu a Pam lá para deixar de incomodá-la [“to get out of his hair”], eu acho. Mas, mesmo assim ela ainda tinha o apoio financeiro dele para uma pequena boutique localizada, você já adivinhou, a 30 metros do escritório. Re: o endereço exato de Kings Road, desculpe, mas provavelmente poderia dirigir até lá mesmo hoje (Tony descobriu que foi demolido quando tentou dirigir até lá durante uma visita recente em L.A.).

Jim aprendeu que ele não deveria dirigir depois de enrolar um Shelby Mustang King Cobra 428 em volta de um poste telefônico, e os táxis não são muito rápidos, mesmo em Hollywood Hills, então era mais simples ficar por Alta Cienega. A não ser que ele acordasse debaixo de alguma mulher estranha, o que acontecia com frequência.

 

Kristy O’brienClaramente a Pam não era a sua finalidade de máxima importância [“be-all, end-all”], apesar dele ter deixado tudo para ela. Terá sido por ele se sentir responsável [por ela]?

Tony: Compensação pela sua miséria autoimposta [Tony se refere aqui a Pamela]. Além disso, ele não se sentia próximo de nenhum outro ser humano vivo, e ela [se] passava por qualquer proximidade com que o seu tipo (de) solitário pudesse se conectar. Pam era uma “quantidade conhecida” e ele sabia que ela realmente se importava com Jimbo, a pessoa. Por mais que seu gênio/intelecto pudesse compreender esse reconhecimento, ele gostava dela. Mas pessoas como o Jim não são seres sociais; estão separadas por falta de pares, com os pares disponibilizando um discurso notável em comum. Diógenes [de Sinope, o filósofo cínico grego] sentia o mesmo.  


Kristy O’brienMuito foi feito do fato do Jim nunca ter tido uma casa, então é surpreendente descobrir que ele, de fato, teve uma. Por favor, descreva a vizinhança. Era longe do estúdio e é por isso que ele raramente usava? Você sabe quando ele comprou e mobiliou?

Tony: Estranho, eu pensei que TODO MUNDO sabia sobre a casa de Kings Road. Era acima da “The Strip”, não longe da Continental “Riot” (Hyatt) House. Kings Road, naquela época, era uma ventilada rua serpenteada. Viajava sentido norte, em direção ao (ugh!) San Fernando Valley, mas era situada no lado Hollywood do “The Hill”. Era/ainda é uma rua bonita com casas bem mantidas e gramado e paisagismo muito bem feitos. O bocado, se bem me lembro, foi realmente alimentado pelos outros membros da banda, amigos preocupados e tipos de gestão/financeiros (Bill Siddons e Bob Greene) que o Jim precisava da dedução fiscal, e o Jim podia se beneficiar da segurança e conforto de uma "casa" em vez do quarto em Alta Cienega, para o qual ele se deixou convencer.

A única vez em que lá estive com ele para ir pegar uns livros que ele queria antes de irmos numa viagem de show, o local estava praticamente vazio, à exceção das habituais caixas de frutas de “solteiro” e um candeeiro aqui e ali.

Dito de uma forma simples e direta, Jim gostava de viver a vida de um escritor poeta de vanguarda, e a simplicidade de Alta Cienega proporcionava esse tipo de atmosfera do tipo “Geração Beat”. As armadilhas de “uma casa” como Kings Road não eram exatamente o tipo de ambiente que Jimbo via para si próprio como um “escritor sério”. Existe a possibilidade dele também ter gostado dela como um “lugar de solidão” [um refúgio] quando ele queria estar sozinho de tudo e de todos. Como já disse antes, éramos ambos essencialmente “solitários” e os solitários têm de ter solidão às vezes, devido à natureza desse tipo de personalidade. A besteira que acompanhava a “fama” do Jim fazia com que ele/nós nos perdêssemos no mundo do cotidiano e desfrutássemos de um tempo à parte da loucura do NEGÓCIO da música. Fazíamos isso com frequência suficiente para servir como um tônico para a sanidade. De qualquer forma, ele raramente visitava o local, o mistério de Kings Road está plantado em Paris, e ele não fala sobre o assunto.


Kristy O’brienEle fazia coisas mundanas como ir à mercearia ou banco ou isso era tudo cuidado para ele?

Tony: Sim, ele fazia coisas mundanas, mas [compras na] mercearia? Para quê? Ele nunca comia a não ser que nós estivéssemos em um restaurante ou bar ou algum lugar onde alguém servisse comida pra você, [já] pronta pra comer. E a parte bancária era excelentemente coberta por Bob Greene e Associados. Jim tinha seu Amex e MasterCard. Os Doors insistiam que eu tivesse SEMPRE $X,000 em espécie no meu bolso para realizar QUALQUER COISA que eu precisasse fazer. Sempre que eu esgotava qualquer porção desse dinheiro no decurso de minhas prioridades, ele era resposto O Mais Rápido Possível.

Quando ele deixava crescer a barba alternadamente e depois a raspava, o meu palpite é que ele a raspasse em uma barbearia, porque ele era um sacana peludo no que dizia respeito à barba. O cara conseguia deixar crescer uma barba russa comprida em dois dias!

Ele nem era um cabideiro [clotheshorse], e tenho certeza de que a Pam comprava todas as roupas que ele carregava com ele. O cara vivia de uma forma muito simples, ponto final. Adorava ir comprar livros, claro, e sempre que queria obter/encontrar/comprar alguma coisa, sentia-se muito à vontade para ir pessoalmente ao mundo para a obter. Ele gostava do público, como já foi dito anteriormente; pessoas REAIS, lugares REAIS, onde pessoas REAIS fazem coisas REAIS, cotidianas e reais. Isso o revitalizava e eu via, nessas alturas, o cara animado, VIVO, e se divertindo. Realmente nos entristeceu quando ele/nós tivemos que voltar a trabalhar com todos os idiotas falsos que permeiam aquela paisagem.


Kristy O’brienVocê mencionou os seus amigos de poesia. Em seu livro ‘Light My Fire’, Ray Manzarek [tecladista do Doors] descreveu Babe Hill, Frank Lisciandro e Paul Ferrara como os Falsos Doors e deu a entender que eles o encorajavam a beber enquanto tiravam sua criatividade com a banda. Você diria que esta é uma descrição precisa?

Tony: Não, mas minha perspectiva na época era a mesma de Ray. Gostei e admirei o Ray; ele sempre poderia levar em consideração a opinião de todos e acalmar as partes envolvidas. Ele é a cola que manteve a banda junta.


Kristy O’brienComo era os relacionamentos com os outros Doors?

Tony: John [Densmore, baterista] mal podia tolerar alguém (ele e eu nós dávamos MUITO bem. Eu mantinha Jim longe de problemas, NINGUÉM conseguia mantê-lo sóbrio quando ele não queria); Robby [Krieger, guitarrista] ainda é o homem mais legal e decente do planeta e o Tio Ray manteve tudo sob controle.


Kristy O’brienEle alguma vez discutiu como se sentia por ser famoso? Ele estava confortável em ter uma imagem de estrela do rock ou é verdade que ele estava mais interessado em dedicar-se à poesia e ao cinema?

Tony: A última [coisa] é verdade. Ele não suportava o circo da mídia e os idiotas falsos que povoavam esse hemisfério de indulgência.


Kristy O’brienVocê acha que o seu problema com o alcoolismo escalou porque ele teve um período difícil ao lidar com o seu sucesso?

Tony: Sim e o fato dele só gostar de beber! Mais uma vez, repito MUITO dos baba-ovos idiotas que rastejaram para fora do lodo causariam ações extremas em QUALQUER UM!  O fato da genialidade de Jim ter permitido que ele os ofendesse tão bem é uma prova de como eles eram irritantes em primeiro lugar.


Kristy O’brienAlguém tentou confrontá-lo sobre seu consumo excessivo de álcool?

Tony: Você deve estar zoando! Ray, Bill (empresário dos Doors), Pam, todo mundo e seu irmão e então eles finalmente desistiram. Nunca lhe entrou pelo ouvido, para sair do outro lado. A única razão pela qual eu e ele nos dávamos tão bem era porque eu podia beber com ele por baixo da mesa e ainda mantê-lo fora da cadeia. Desde que eu fizesse isso, toda a gente ficava feliz, incluindo o próprio Jim.

 

Kristy O’brienAlguma vez Morrison discutiu por que ele afirmava não ter família? Como esse estranhamento com seus pais o afetou?

Tony: Não, e eu achei que não cabia a mim como amigo e/ou empregado fazer mais perguntas. Quando ele mencionava algo relacionado ao assunto, era de forma obscura e ambígua, na melhor das hipóteses. Tudo o que eu sabia com certeza era que ele não tinha qualquer carinho pelo seu pai estritamente autoritário e estava triste pelo fato de sua mãe não ter negociado uma diminuição desse autoritarismo. Os seus irmãos eram da opinião de que é preciso ir junto para se dar bem, por isso podiam secretamente apoiar suas travessuras e vocações, mas com grande perigo na casa do Almirante Morrison.

Tive a sensação subjacente de que, para além do acima exposto, ele não queria mesmo causar-lhes maiores embaraços e/ou envolver em mais atritos. Além disso, ele estava ciente do que a mídia poderia e teria feito com o conhecimento generalizado da identidade desta família. Tudo isto em tempo de grande agitação social, com uma atmosfera carregada de anarquia e o FBI a assassinar e/ou incriminar todos os membros do partido dos Panteras Negras que conseguisse encontrar nos dias de fúria e dos Sete de Chicago. Por que é que ele quereria envolver a sua família nisso?

 

Kristy O’brienVocê acha que teria sido prejudicial para a carreira dos Doors se fosse revelado que o pai de Morrison desempenhou um papel fundamental na Guerra do Vietnã? Você acha que foi por isso que ele afirmou ser órfão?

Tony: Certamente não. Ninguém reclamou que o pai de Robby dirigia a Rand Corporation! Seria necessária uma grande variedade de idiotas sistêmicos para fazer esse esforço. Na verdade, muitos dos ícones do rock and roll da época descendiam de famílias ricas e/ou poderosas: Carly Simon (Simon e Schuster), Frace Slick foi para o Wesleyan College. De qualquer forma, muitas pessoas sabiam disso.


Kristy O’brienVocê tem alguma história que queira compartilhar sobre Morrison interagindo com fãs ou pessoas na rua?

Tony: Há várias delas, mas tem a das bruxas em Boston e da poeta em Denver.

(A) As Bruxas de Boston –

Ok, sente-se, e sirva-se uma dose forte, isto vai fazer ranger alguns dentes a quem o ler. Fizemos um concerto em Boston e pegamos uma banda MUITO BOA tocando no lounge do hotel. Os Doors (principalmente Ray, Robby e Jim) decidiram ver se o baixista estaria interessado em gravar algumas faixas em algum momento do próximo álbum (L.A. Woman). Jim me convidou para fazer um “cruzeiro” com ele. Encontramos a parte “boêmia funk” da cidade (todas as cidades têm seu bairro “hip/hippie”) e lá fomos.

Durante a procura de um bar/restaurante para comer/beber/relaxar, ficamos encantadoramente fascinados com um par de bruxas. Elas vestiam-se a rigor, pareciam sinceras nas suas crenças, e não eram abertamente observadoras de estrelas e eram também muito atraentes.

Depois de bebermos e comermos qualquer coisa, nós quatro fomos até a casa delas e subimos vários andares de escadas. Depois de entrarmos, ficamos em pares e fomos cada qual para quartos diferentes, o que resultou nos sons habituais. Eu tinha avisado a querida que “EU NÃO CURTO GATOS”, ao que ela disse que ia pôr o gato em particular (um dos MUITOS do apartamento) que estava a tentar arranjar briga comigo noutro quarto.

Passados alguns minutos, senti uma grande dor quando as garras (do gato) laceraram partes gêmeas da minha anatomia enquanto o meu rabo se agitava, subia e descia, no ar. Agarrei o gato maldito e atirei-o pela janela. Ele voou quatro (cinco?) andares, diretamente para baixo. Ela gritou profanidades novinhas em folha. Levantei-me, lavei o sangue com água fria, peguei nas minhas roupas, fui até à porta fechada onde estava o Jimbo, anunciei que devíamos ir embora porque, por esta altura, AMBAS as bruxas estavam a gritar maldições do Sabbath negro a plenos pulmões. Apressei as tentativas do Jimbo para se vestir, atirei um maço de dinheiro às bruxas e saímos dali, eu e o Jim, para apanharmos um táxi. Pronto! E esta é a verdade!

(B) A poeta em Denver

Quando fizemos o show de Denver era na D. U. Arena, e como sempre, foi um show incrível.

O restante dos Doors voltou para L.A. cedo na manhã seguinte, mas Jim quis cruzar por Denver um pouco mais para relaxar. Ele mencionou que uma garota havia dado algumas poucas páginas de poesia a ele e ele queria entrar em contato com ela e possivelmente encontrá-la para conversarem.

Fomos para a casa da senhorita em questão. Fui até a porta com ele por precaução e quando ela atendeu a porta e eu senti que não havia nenhuma ameaça, disse-lhe que fosse em frente e que eu esperaria no carro.

Eles passaram horas lá e eu poderia vê-los na sala-de-estar através das cortinas abertas/janela. Estava tudo muito pacífico e sereno comparado ao brilho do circo usual da mídia de muitos dos shows; este era quem o homem realmente era. Este era o Jim Morrison que eu conhecia. Quando eles acabaram a conversa eles saíram; ela me agradeceu por ter sido tão paciente (na verdade, eu estava chapadíssimo com uma erva assassina: o que é tempo?) e dirigimos para o aeroporto para devolver o carro alugado.

Sua casa ficava no bairro de Park Hill, com um grande relvado, dois andares, parecia ter sido construída nos anos 30, imaculadamente mantida e muito sossegada. Jim apreciou o encontro com ela. Não senti qualquer indício de interesse romântico por parte de nenhum dos dois, apenas um par de intelectos que pareciam ter trocado observações sobre temas comuns. Quase acadêmico, como eu diria.

 

Kristy O’brien: Estive recentemente falando com um dos amigos do Jim que me contou que ele tinha viajado um pouco, incluindo seguir a rota de Alexandre, o Grande na Índia. Você pode atestar se isso é verdade?

Tony: Yeah, ele FAZIA muito isso, muito embora ele/nós/o grupo respeitasse isso como um momento privado para ele e eu não o acompanhei. Eu o encontrava onde quer que ele reentrasse no país. Ele e eu fazíamos viagens paralelas dentro dos E.U.A. de vez em quando.  


Kristy O’brien: No livro Break on Through: The Life and Death of Jim Morrison(6)’ você foi chamado para apartar uma briga entre Jim Morrison e Tom Baker (ator amigo de Jim / parceiro de bebedeiras) logo após Jim ter sido absolvido de todas as acusações no julgamento de Phoenix. O que realmente aconteceu naquele dia?

Tony: Baker sempre foi um pé-no-saco, SEMPRE que aparecia. O resto de nós o deixava em paz, já que ele era amigo do Jim, mas não havia nenhum amor perdido entre ele e o resto dos Doors e a família extensa da banda. Dito isto, Baker PODE até ser sido brilhante em seu intelecto, mas ele era um BABACA insuportavelmente desagradável na forma em que EXPRESSOU esse brilhantismo. Nas vezes em que estive em volta do idiota eu desejei cobri-lo de areia, mas ele era amigo do Jim e isso não teria sido uma boa coisa a se fazer. Babe [Hill, amigo de farra do Morrison] também não aturava as merdas dele, por isso davam-se bem. O Babe não estava sob nenhuma restrição como eu estava, a antipatia pessoal supera o profissionalismo.

O Jim (como tem sido amplamente divulgado) foi de fato o responsável pela altercação (inspirada pelo Baker) no avião de Phoenix. Ele pagou todas as contas de Baker relacionadas com o sucedido e Baker, nesse dia em particular, tinha tomado todas e decidiu latir pro Jim. Parece que ele estava perturbado por ter de agradecer a ajuda!

De qualquer forma, sua boca sobrecarregou o seu cu. Jim se cansou e disse para Baker e seu Parça para vazarem do escritório. Baker tinha a cabeça cheia de 86 provas dizendo que ele não precisava. Jim empurrou Baker em direção à porta da escada do 2º andar, Baker ficou nervoso e eu agarrei Baker com uma mão, seu Parça com a OUTRA e os joguei porta afora. Os degraus do segundo andar desciam diretamente para um patamar à esquerda. Baker avançou nos degraus, o Jim deu um tapão nele e eu bati no amigo dele para me divertir enquanto admirava o Jimbo fazendo o papel de pugilista (muito bem!!) com o Baker.    

Então, a viatura do delegado apareceu. Acho que o Babe conseguiu algo deles, não me lembro bem. Meu trabalho era garantir que o Jimbo “Garganta Dourada” não (A) sofresse qualquer dano e (B) sofresse qualquer tipo de repercussão legal.

Depois que eu encorajei todo mundo a se acalmar, os caras do xerife instruíram Baker a sair dali ou ser preso por invasão de propriedade. Baker e seu amigo seguiram o conselho dos tiras, e o restante de nós fomos para o Phone Booth e o Barney’s. Grande diversão, na verdade, uma farsa agradável de uma briga. O Baker e o amigo foram tratados com luvas de pelica em comparação com o que eu teria feito se não tivesse alguém olhando. Quero dizer, ninguém precisava ir ao pronto-socorro para costurar ossos ou coisas do tipo.

Por mais chapado ou bêbado que eu ficasse durante esse trabalho, eu NUNCA perdi a noção de qual era a principal responsabilidade do trabalho e o objetivo a atingir; deixar o Jimbo relaxar e ser ele mesmo, impedir que os malucos perturbassem essa serenidade e DESTRUIR TUDO O QUE ME IMPEDISSE DE FAZÊ-LO. Eu não era famoso por meu senso de humor.

 

(fim da Parte 1)




 

 

 

NOTAS:

 

1 – A última apresentação pública do Doors ocorreu numa noite de sábado gélida de ventania e mau tempo no dia 29 de agosto de 1970. Entre outras atrações que se apresentaram no mesmo dia pode-se contar: Joni Mitchell, Ten Years After, Miles Davis, The Who, Sly and The Family Stone, Melanie Safka e outros.

2 – A Los Angeles Trade Technical College existe até os dias de hoje:  www.lattc.edu

3 – Para melhor entender o contexto e significado dessa gíria, basta dar uma olhada aqui: www.dictonary.com/e/politics/dubya/  Também aqui um livro sobre isso: The ABC's of Dubya - O básico de Bush, He Drive You Crazy | Amazon.com.br

5 – Agente de imprensa dos Doors.

6 – Biografia de mais de 500 páginas escrita por James Riordan e Jerry Prochnicky.



IkaRo MaxX é filósofo, poeta, performer, músico, editor independente na Editora Provokeativa, tradutor e agitador cultural no Batmacumba Poética. Nascido na capital paraibana é um nômade convicto e cosmopolita desenraizado - percorreu o Brasil e chegou a viver na França e na Inglaterra. Suas inquietações percorrem dimensões políticas, poéticas e estéticas da existência. Inconformista, antiautoritário e anticanônico é um experimentador inquieto que desconhece limites e fronteiras. Tem artigos, poemas, crônicas, esquetes e ensaios espalhados em revistas físicas e digitais por aí. Em nome do terrorismo poético e da liberdade livre estão dentre algumas de suas obras recentes: 'A Arte da Subversão' (Editora Cintra/ARC Edições - 2019), 'Full Foda-se" (Córrego/Provokeativa - 2019) 'Ode a Lorca & outros Poemas' (Mocho Edições - 2020), 'Orgia de Unicórnios' (Córrego - 2022), 'Abolir a Mercadoria para Transformar a Vida em Odisséia' (Provokeativa, 2023), 'Recuso-me: um Manifesto' (Provokeativa, 2023), "Meu Amor Quebrou Todas as Vitrines, Libertou os Animais do Zoológico & Distribuiu Canções nas Ruas" (Provokeativa, 2023). Autor do experimento de colagem audiovisual 'Vídeo-Crise' (2017). Desde a pandemia juntou-se para fazer agitação poética com Movimento Neomarginal onde também é co-editor da presente Revista Neomarginal.



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