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  • Foto do escritorVitor Miranda

Marcha da Liberdade



 não poderia começar esse capítulo por outro lugar a não ser pela minha liberdade. fui chamado à sala de reunião do trabalho onde encontrei com Alessandro, meu chefe. eu estava demitido.

 

- foi porque dormi na reunião?

- é, também, e outros motivos.

- nem vale a pena eu perguntar, né?

- o que vale a pena eu dizer, Vitor, é que você não nasceu pra isso.

- obrigado, cara. foi a melhor coisa que alguém já me disse.


dei adeus aos companheiros de trabalho que estavam impressionados com duas coisas. a primeira por eu estar feliz e a segunda por eu ter durado tanto tempo.

 

fumei um baseado pra comemorar!


aliás, é sobre isso que ia falar. às dezoito horas de uma sexta-feira um juiz resolveu proibir a manifestação da Marcha da Maconha que aconteceria no sábado e já estava marcada há tempos. revoltados, os organizadores mantiveram o ato e foram reprimidos violentamente. em resposta marcaram a primeira Marcha da Liberdade para uma semana depois e lá estávamos nós, o Documentos Urbanos. éramos apenas nós e outra equipe independente comandada por um jornalista irreverente chamado Victor Sá que cobriam o ato.

 



“uma câmera na mão e uma ideia na cabeça” lembrou Sá citando Glauber Rocha. nesse dia nos preocupamos em filmar pessoas que estavam a favor do ato e também contrárias, pois apesar de termos nossas opiniões, tanto eu como Leonel acreditamos que o jornalismo não é publicidade e sim um meio de comunicação para informar um fato. por isso, além da discordância e de personagens interessantes como o advogado da marcha da maconha, resolvemos entrevistar o estado simbolizado pelo comandante da operação policial e também os organizadores do ato.



ficamos, então, conhecidos de algumas pessoas do Movimento Passe Livre que faziam parte da organização. nosso vídeo correu por todos os interessados e a manifestação com cerca de cinco mil pessoas foi um marco dentro dessa passividade cordial do brasileiro.



Pedro Punk, professor e militante do Passe Livre, nos convidou para tomar uma cerveja:


- seguinte, vai acontecer outro ato e a gente queria que vocês filmassem uma ação que vamos fazer.

- qual?

- nós vamos invadir o Conjunto Nacional e jogar uma bandeira com as cores LGBT lá de cima.

- vamos nessa. mas precisamos de duas câmeras.


estávamos virando ativistas. peguei minha rescisão e comprei uma 5D mark II. como ainda não sabia filmar, Leonel chamou um camarada, Cipriano, que topou a empreitada. formamos duas equipes. Leo ficou focado nas imagens e eu e Cipriano nas entrevistas. filmamos a vereadora Soninha, o parkour Zico Correa, figuras da organização. reencontrei o genial ator poeta Gero Camilo que nos concedeu uma entrevista no qual disse uma frase bonita: “precisamos lutar pelo nosso direito à selvageria” se referindo em contraponto ao direito à cidadania.

 

de repente encontramos Caco Barcelos com seu Profissão Repórter. um dos maiores jornalistas desse país em ação. algo mágico, mas também interessante: a Globo estava interessada nas manifestações. não só a Globo. dessa vez não era apenas nós. eram todas as grandes mídias e diversas mídias independentes. inclusive o que se tornaria a Mídia Ninja. a Casa Fora do Eixo nos enviou mensagem no facebook dos Documentos Urbanos querendo conversar com a gente. fui até o Studio SP e ao reparar que a Casa Fora do Eixo estava com uma banca vendendo seus produtos perguntei se o rapaz que me enviou mensagem estava por lá e estava. disse que era o Vitor do Documentos Urbanos e o chamaram. queriam convidar o Documentos Urbanos para ser um braço audiovisual da Casa.

 

- a gente se interessa, mas precisamos saber como funciona essa questão financeira, pois é nosso trabalho, saca? pagamos as contas com o audiovisual.


ele iniciou um discurso lindo de coletividade e etc e tal onde ninguém ganha, mas várias fitas acontecem e enquanto ele falava eu observava a marca de seu tênis, sua calça e sua jaqueta. aquele conjunto dava mais de um salário mínimo. todo mundo se escravizando pra no fim alguém ir lá e dar entrevista do Roda Vida. agradeci e disse que ligaríamos para fazer uma visita e trocar ideias. nem eu e nem Leonel ligamos.


bom, voltando ao Caco Barcelos. me aproximei e perguntei se poderíamos fazer uma entrevista com ele.


- sobre o que seria?

- somos uma mídia independente que vem cobrindo as manifestações. hoje estamos querendo saber o motivo de estarem aqui e qual seu posicionamento sobre isso.

- certo. vou responder o motivo de estarmos aqui. o meu posicionamento não posso dizer, tudo bem?

- tudo certo. muito obrigado!


na hora da ação Leonel entrou com o pessoal no prédio e filmou até onde deu enquanto eu e Cipriano pegamos a imagem da bandeira caindo sobre a fachada do prédio.

 

a manifestação chegava ao fim na praça em frente ao shopping Paulista onde jovens gritavam insultos contra a Globo.



o vídeo, para o tamanho e o assunto, viralisou pra lá de vinte mil visualizações. muita gente dizendo que era o melhor vídeo. um rapaz, chamado Arthur Lobo, me envia uma mensagem:

 

- cara, vocês precisam colocar legenda nos vídeos que vocês fazem.


estávamos orgulhosos com nosso trabalho. novamente com a essência do jornalismo que a gente acreditava. algo que me marcou foi a pergunta que fiz ao policial comandante da operação:


- o que é liberdade?




fotos: Saulo


Vitor Miranda é poeta

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