Andava pelas ruas. Quem me via passar, me seguia até que a incandescência do meu cigarro fugisse no escuro. No breu os defeitos do mundo não são vistos. Separei-me de minha própria sombra. Reencontrei-me com a tristeza que insistiu em me acompanhar. Tão breve pensei em meu íntimo desejo: o fim; Sem culpa, sem corpo, sem resto algum para sepultar. Às vezes a ausência nos torna mais visíveis. Pensei, porém, que talvez a morte não fosse capaz de eliminar o sofrimento de toda uma vida. Pensei no modo como conciliei, durante tantos anos, essências tão opostas. Assim, como num lampejo, olhei para dentro de mim. Queria buscar aquela mulher obstinada. Ela estava lá. Dei-lhe a mão como quem salva uma alma suspensa. Seguimos caminho. Aurora se fez florear. Saltamos largamente, leve, tão leve, que fantasiada de ventania a brisa nos encaminhou a uma viagem pelo universo.
Miê Liriá é psicóloga, artista plástica, cantora, compositora e poeta. vive em Registro-SP. em 2023 lançou "Nuances", livro de poemas que escreveu durante crises de transtorno bipolar.
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